Chaplin é espetáculo arrebatador


CHAPLIN, O VAGABUNDO | O que o espetáculo me mostrou


Carlitos | Cena do filme Luzes da Cidade
Falo sobre mim, mas já escutei outros escritores dizerem o mesmo. Às vezes, é difícil e leva tempo para me despedir dos personagens que crio. Às vezes, retardo o final da história, apenas para manter aquele personagem vivo, passível de outras tramas. E ao dizer adeus, mergulho em uma tristeza digna de quem perdeu um ente querido.

Personagens não fazem parte somente do mundo das artes. Todos nós, eventualmente, vestimos personagens ao lidarmos com situações que pedem mais de nós do que usualmente oferecemos. No processo, muitos aprendem um pouco mais sobre a vida e suas mazelas. Outros se rendem aos seus personagens, levando uma vida na corda bamba existencial.

No último sábado, fui ao teatro para assistir a um espetáculo musical sobre uma pessoa que não apenas criou, mas viveu seu personagem e com ele contribuiu amplamente com a história do cinema. Chaplin, O Musical conta a história de Charlie Chaplin, ator e diretor, o criador de Carlitos, o Vagabundo.

Charles Spencer Chaplin nasceu em Londres, em 1889. Faleceu na Suíça, em 1977. Cabe nos anos que separam essas datas, uma história de vida que se debruçou sobre a história de um personagem, e de tal forma, que criador se confundiu com a criatura. 

Chaplin, O Musical é providencial, pois aborda a vida do homem que fez a alegria de tantos e impactou a industria cinematográfica. Nessa biografia há uma riqueza fantástica de emoções, que por meio de uma produção competente, consegue aproximar o espectador dessa pessoa-personagem e suas camadas, seus tons. 

Assistindo ao espetáculo, dei-me conta de que o Vagabundo foi uma ferramenta que Chaplin encontrou para lidar com acontecimentos pessoais difíceis, como a doença de sua mãe. O homem tão peculiar, nem sempre agradável, definitivamente complexo e que viveu muitos romances; o ator e diretor celebrado, sempre cercado de pessoas... Chaplin vivia de e sobrevivia à solidão. Carlitos foi sua companhia presente, sua voz ecoando em tempos de cinema mudo.

CHAPLIN, O MUSICAL

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Sabe aquele dia em que você sai de casa e não faz a menor ideia de que será surpreendido mais do que deseja e acredita ser possível? Eu sabia que Chaplin era um ótimo musical, então esperava por algo realmente interessante, que me faria o espírito feliz. Primeiro, porque já assisti a outros musicais com o Jarbas Homem de Mello, que considero um dos artistas mais completos. Depois, o espetáculo tem sido um grande sucesso, de público e crítica. Enfim, não havia como não incluir na minha expectativa o item “aprazimento”.

Acontece que eu não esperava pelo o que assisti. Foi mais, muito mais do que eu poderia imaginar. Foi além do aprazimento, tornando-se uma verdadeira experiência emocional.

Chaplin, O Musical é um espetáculo da Broadway, com texto original de Christopher Curtis e Thomas Meehan. Traz cinco músicas inéditas, sendo que músicas e letras originais são de autoria Christopher Curtis. E não me canso de dizer que Miguel Falabella, mais uma vez, fez uma versão brasileira impecável. Teatro lotado – como tem sido, desde a estreia do espetáculo, que foi em São Paulo, mas já passou pelo Rio de Janeiro -, e a primeira cena nos chega feito um poema. Chaplin pensando sobre sua existência como Chaplin e como o Vagabundo.

Chaplin teve em seu irmão, Sydney Chaplin, o companheiro de vida e de viagem, alguém que desempenhou um importante papel também na sua carreira. No palco do musical, Syd é interpretado por Marcello Antony, que o fez primorosamente. Eu poderia listar adjetivos para tentar dizer a beleza dessa interpretação. Porém, vou me ater ao desejo de que você, quem lê essas palavras, vá ao teatro para conferir por si próprio, e eleja os adjetivos que sentir durante o espetáculo. Para mim, Antony deu vida a Syd de forma crível, transparecendo o amor de um irmão por outro.

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Chaplin é um espetáculo sublime, e não estou gastando benquerença com ele, e sim validando um merecimento. Não há o que dizer contra, e aposto que aqueles que adoram ter ao algo sobre o qual reclamar, em qualquer situação, sentiram-se deveras contrariados.

Da música, a orquestra tocando ao vivo, passando pelo cenário impecável - incluindo uma engenhosa coreografia para as mudanças de cenas -, um elenco afinadíssimo – destaque para Paula Capovilla (Hedda Hooper), que voz! -, e o ritmo dinâmico e emocional do espetáculo, tudo me impressionou e emocionou. Todos que passaram por aquele palco, e aqueles que estiveram nos bastidores, cuidando para que tudo estivesse alinhado, trabalharam lindamente... Isso mesmo, lindamente. Não consigo pensar em palavra mais adequada para comentar o resultado do trabalho dessas pessoas.

E, claro, lá estava Chaplin... O Chaplin de Jarbas Homem de Mello.

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Aqueles que acompanham meus escritos sabem que adoro o Jarbas. Desde que o vi pela primeira vez no palco, acompanho sua carreira e escrevo sobre os espetáculos que assisto. Quem me conhece, também sabe que não sou dos confetes. Todos os elogios que venho tecendo a ele, desde aquela primeira vez, são meus, são válidos e verdadeiros. 

Sei que a cada espetáculo o artista comprometido com a sua arte aprimora seu talento, eleva seu fazer artístico. Para um artista dedicado e apaixonado pelo o que faz, esperamos sempre aquele passo adiante que nos encherá a alma de contentamento, no próximo espetáculo.  Porém, o que Jarbas fez em Chaplin não foi um passo adiante. Trata-se de um salto, do qual me sinto incapaz de sugerir mensura.

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Interpretar um personagem a contento requer talento. Interpretar um homem que se misturou ao seu personagem requer muito mais que talento. É preciso se aproximar da história do homem para mergulhar na do personagem, encontrando aquele lugar onde ambos se misturam, e essa terceira pessoa possa observá-los e conectar-se as suas emoções. Jarbas pesquisou a biografia de Charlie Chaplin, os trejeitos dele e do Vagabundo; leu livros sobre ele e assistiu aos filmes do ator e diretor, fez aulas de circo, patinação e violino. Foi trabalho dedicado que resultou em uma caracterização impressionante, combinada ao talento de Jarbas interpretando o personagem e as canções do musical.

Uma das passagens mais marcantes do espetáculo se refere também a um dos momentos mais desafiadores da carreira do artista, por ter gerado uma grande obra, mas também reforçado a ideia de que ele era comunista. Charlie se considerava um humanista, um cidadão do mundo, e desejava dar voz aos que não tinham. Em uma das suas ações como questionador da humanidade, escreveu, dirigiu e estrelou O Grande Ditador (The Great Dictator/1940), um filme emblemático, do qual o discurso final se tornou inesquecível. E assistir a essa cena no palco, interpretada com tal desenvoltura e comprometimento por Jarbas, foi comovente. 

Definitivamente, um salto.



CHAPLIN, O MUSICAL

Em cartaz até 25 de outubro

TEATRO PROCÓPIO FERREIRA
Rua Augusta, 2.823 | Cerqueira César | São Paulo

INGRESSOS

BILHETERIA
Terça a sábado | das 14h às 19h.
Domingo | das 14h às 18h ou até o início de cada espetáculo.

PELA INTERNET | www.ingressorapido.com.br
Call Center | 11.4003 1212 | Vendas de grupo: 11. 3064 7500

Texto Original: Christopher Curtis e Thomas Meehan | Músicas e letras originais: Christopher Curtis | Versão Brasileira: Miguel Falabella | Direção: Mariano Detry | Produtores Associados: Claudia Raia e Sandro Chaim | Direção Musical e Vocal: Marconi Araújo | Coreografia: Alonso Barros | Cenografia: Matt Kinley | Figurino: Fábio Namatame | Visagismo: Dicko Lorenzo




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